Por Bernadette Vilhena
A perspectiva ergológica surgiu na
França no início da década de 80 apartir de discussões de um pequeno
grupo de pesquisadores (Yves Schwartz, Daniel Faita, Bernard Vuillon e
Jacques Duraffourg) acerca das mudanças do trabalho nos anos 80, onde
surgiu a questão “O que é o trabalho?” e também a necessidade de
construir um acesso mais profundo e rigoroso ao mundo do trabalho, ao
que era trabalhar para poder avaliar a transformação em curso (declínio
parcial do taylorismo e mudanças tecnológicas).
Para
avaliar essa mudança era preciso aproximar do trabalho de modo mais
simples, diferente dos moldes acadêmicos já instituídos. O que começou a
ser construído a partir de então, foi um constante vai-e-vem entre
saberes acadêmicos sobre o trabalho e os saberes engajados dos
trabalhadores no mundo do trabalho.
“Trata-se de uma outra maneira de ver o trabalho, focando o ponto de vista da atividade do trabalhador, não na ótica de um “recurso humano a ser administrado”
Esta experiência vai se
estruturar progressivamente em “APST”(Análise Pluridisciplinar das
Situações de Trabalho), em 1999 no Departamento de Ergologia na
Universidade de Provence, em cursos de especialização, pesquisas, rede
científica e associativa nacional e internacionalmente.
A Ergologia não é uma nova
disciplina científica, mas uma maneira epistemologicamente renovada de
produzir conhecimentos sobre o trabalho, levando-se em conta a
experiência da lida dos trabalhadores, propiciando reconhecimento do
trabalho como experiência histórica e sociocultural (CUNHA, 2005)
As referências teóricas de base
da Ergologia foram os conceitos da Ergonomia da Atividade, principalmente
a distinção entre trabalho prescrito e trabalho real; a metodologia de
Ivar Odonne usada para conhecer a maneira pela qual os trabalhadores
executam sua atividade de trabalho e as referências filosóficas de
Georges Canguilhem que estudou a saúde como objeto de problematização
filosófica, examinando a oposição normal/patológico nas ciências
biomédicas (BORGES, 200?).
A Ergologia traz um encontro de
saberes, promove um “desconforto intelectual” (compreensão parcial das
situações), demonstra que o trabalho é atravessado por questões
societárias, valores pessoais e socioculturais, relações complexas, por
formas de inteligências sociais diferentes e complementares. Apresenta
uma metodologia pedagógica aberta onde os pesquisadores têm a
oportunidade de retrabalhar conceitos, conhecer o universo de trabalho e
sua cotidianidade, sair da postura de observador e desenvolver-se de
uma forma diferente.
Enquanto os trabalhadores têm a
possibilidade de apropriar-se de seus saberes investidos, ampliar
conceitos e normas em torno de seu trabalho, entender a lógica das
normas, conhecer melhor a organização a qual pertence, enriquecer seu
coletivo de trabalho e transformar as “dramáticas do uso de si”. Unindo
esses saberes contidos nesses dois universos aparentemente distantes
entre si e mais um terceiro elemento essencial chega-se ao que Schwartz
chama de “Dispositivo dinâmico de três pólos”. “Um dispositivo de
trabalho cooperativo, de formação” (SCHWARTZ, 2007) onde temos:
- Pólo dos Saberes Constituídos, saber formal das disciplinas, conceitos, regras e normas
- Pólo dos Saberes Investidos, saber tácito presente na atividade, seriam “forças de convocação e validação” onde a recriação e o debate de normas são constantes.
- Pólo das exigências ético-epistemológicas, do desconforto intelectual e sobretudo do respeito ao indivíduo, de estar disponível para aprender com ele.
O dispositivo de três pólo é o
lugar de encontro, o lugar de trabalho comum em que se ativa uma espécie
de espiral permanente de retrabalho dos saberes, que produz retrabalho
junto às disciplinas, umas em relação as outras, portanto que transforma
eventualmente um certo número de hipóteses, de conceitos entre as
disciplinas.Temos aí uma verdadeira matriz de interdisciplinaridade que
não é artificial. (SCHWARTZ, 2007)
O indivíduo sempre procura
tornar-se o meio, o centro de seu trabalho e esse trabalho é execução e
uso, “uso de si por si mesmo” e uso de si pelos outros”. Dentro do
debate de normas constantemente presente na atividade ocorre as
“dramáticas do uso de si”.